Assessor ameaça processar jovem que criticou padre Júlio Lancellotti: ‘Muitos amigos juízes’
Augusto Souza pediu a remoção de um vídeo em que Miguel Kazam denuncia a participação do pároco na narração do curta-metragem São Marino, que retrata uma santa da Igreja Católica como trans
Por | Publicado em: 02/10/2025 20:55:41 | Fonte: Revista Oeste

O influenciador católico Miguel Kazam foi intimidado por um assessor do padre Júlio Lancellotti, depois de publicar um vídeo em que critica o sacerdote e a Arquidiocese de São Paulo. Na gravação, o influencer cita a participação do pároco na narração do curta-metragem São Marino, que retrata uma santa da Igreja Católica como trans.
Depois de divulgar o conteúdo nas redes sociais, Miguel recebeu uma mensagem de Augusto Souza, assessor do padre e representante da arquidiocese. Este último ordenou a remoção do conteúdo e mencionou a possibilidade de processo.
Em áudios obtidos por Oeste, Augusto revela que as críticas ao padre causaram mal-estar na arquidiocese e principalmente no cardeal dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo. “Estou entrando em contato com você, pedindo com todo carinho, com todo respeito, para que esse vídeo seja retirado do ar, para evitar que a gente leve isso a instâncias judiciais”, adverte o assessor. Nos mesmos áudios, Augusto ressalta a influência de Júlio Lancellotti no meio jurídico: “O padre é muito querido no meio judicial, amigo de muitos juízes e desembargadores. E, se a gente pede um favor e fala o que está acontecendo, eles prontamente o ajudam”.
Jovem que criticou Júlio Lancellotti diz ser alvo de assédio judicial
Para Miguel, a abordagem de Augusto configura uma tentativa de intimidação. “O assessor dele veio falar comigo e disse que isso causou um mal-estar muito grande na Cúria Metropolitana de São Paulo”, relata. “Fez aquele assédio jurídico muito bem disfarçado.”
O jovem acredita que há proteção institucional em torno do padre, tanto dentro da Igreja Católica quanto em setores do Judiciário. “O padre é muito protegido”, afirma, ao corroborar a versão de Augusto. “É protegido pela elite católica brasileira e por pessoas do mundo jurídico também.”
Interpelado por Oeste, Augusto alega que apenas pediu ao jovem para evitar ofensas ao padre. “De minha parte, não autorizo a divulgação do meu nome nem da minha imagem sem consentimento por escrito, assim como não autorizo o uso de áudios ou mensagens sem prévia perícia”, afirma. “Nego qualquer interpretação de que tenha agido de forma irregular. Apenas exerci meu direito de me posicionar em defesa de alguém que considero injustamente atacado. Rejeito qualquer insinuação em sentido contrário.”
Escândalo arquivado
Em 20 de janeiro de 2024, Oeste publicou com exclusividade uma reportagem sobre o padre Júlio Lancellotti. O texto informou que os peritos Reginaldo Tirotti e Jacqueline Tirotti atestaram a veracidade de um vídeo que mostra o pároco se masturbando para um menor de idade. As cenas são de 2019.
No mesmo dia, Reginaldo e Jacqueline divulgaram o laudo completo. Ao longo de 81 páginas, a dupla analisou o estado de conservação dos arquivos, observou os frames dos filmes, realizou os exames prosopográficos (técnica que identifica as características faciais), inspecionou os áudios e, ao fim, comprovou sua integridade.
Ao serem interpelados, os peritos reafirmaram a veracidade do vídeo e se colocaram à disposição das autoridades. “Contratem um profissional da polícia e vejam se há algo errado”, disseram aos reticentes.
Nova perícia ratifica análise de 2020
Em 21 de janeiro, Oeste informou que a perícia de Reginaldo e Jacqueline ratificam a análise do perito Onias Tavares de Aguiar, realizada em 2020. A reportagem trouxe à superfície o fato de Reginaldo já ter sido contratado pelo jornal Folha de S.Paulo e pela Veja em outras ocasiões.
As denúncias movimentaram os bastidores da política. Em virtude da gravidade do caso, a Arquidiocese de São Paulo decidiu receber a denúncia contra Júlio Lancellotti.
Em 22 de janeiro, o vídeo e a perícia chegaram ao Ministério Público, à CNBB e ao Vaticano. Ainda não há informações sobre o andamento da denúncia nesses três órgãos.
Três dias depois, a reportagem trouxe a informação de que o cardeal dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, trabalha para blindar Júlio Lancellotti.
Ex-coroinha disse ter sido assediado sexualmente por Júlio Lancellotti
Em 30 de janeiro, Oeste entrevistou com exclusividade o jornalista Cristiano Gomes, de 48 anos. Ele disse que foi alvo de assédio sexual do pároco em 1987, quando tinha 11 anos. A cena teria ocorrido na Paróquia São Miguel Arcanjo, na Mooca, bairro da zona leste de São Paulo. Na época, o jovem era coroinha.
Já em 3 de fevereiro, a reportagem informou que o perito Mario Gazziro, contratado pela revista Fórum para analisar as cenas pornográficas, mudou sua versão sobre o caso. A nova conclusão descarta a validade da perícia anterior, que via indícios de deepfake na gravação.
A versão atualizada do documento trabalha com a seguinte teoria: criminosos teriam contratado um sósia do padre, construído um estúdio idêntico à sua residência e gravado as cenas. “Diminuíram ao máximo a exposição do impostor no vídeo, para evitar quaisquer aspectos que possibilitassem identificar a fraude de forma simples”, justificou Gazziro.
No mesmo dia, Oeste disponibilizou aos leitores a perícia completa do perito da Fórum. A mudança na conclusão da análise motivou o vereador paulistano Rubinho Nunes (União Brasil) a acionar o Ministério Público para acusar Gazziro de falsidade ideológica.